Direito e Literatura: Análise do conto Pai Contra Mãe de machado de Assis

O conto Pai contra Mãe foi escrito 10 anos após o fim da escravidão. É uma narrativa em terceira pessoa, onde o autor aborda a temática da escravidão no Rio de Janeiro.
Em seu desenrolar traz a história de Cândido, um ex “caçador” de escravos fugidos, que é casado com Clara. Os dois vivem com a tia de Clara e passam por dificuldades financeiras, principalmente porque já havia outros homens com o mesmo ofício que o seu, e muitas vezes o realizavam de maneira mais eficiente.
Clara e Cândido sonhavam em ter um filho, no entanto quando esse momento chegou, por enfrentarem uma péssima situação econômica, a única solução encontrada foi acatar a sugestão da tia de Clara e depositar o filho na roda dos enjeitados, para que este não morresse de fome, já que o pai não teria condições de sustentá-lo. No desenrolar da história, Cândido, a procura de algum negro fugido, que lhe rendesse algum dinheiro para que pudesse ficar com seu filho, encontra uma negra, a quem o seu dono oferecia uma grande quantia em dinheiro como recompensa para quem a trouxesse.
A negra, Arminda, estava grávida, e implorou a Cândido que a deixasse ter o seu filho livre, no entanto ele a arrasta até o seu dono e a entrega, neste momento a negra aborta o filho que carregava no ventre. Ele recebe a recompensa e leva seu filho de volta para casa. Ao contar o sucedido para sua esposa e para a tia dela, ele fala com tranqüilidade sobre o aborto da negra, terminando com a célebre frase: - Nem todas as crianças vingam.
A ironia machadiana se faz presente em grande parte do conto, desde o nome dado aos personagens, que contrasta com suas personalidades, até o próprio título do livro, que em um primeiro momento aparenta ser PAI X MÃE, ou seja, Cândido versus Clara, em uma disputa para ficar ou não com seu filho, mas em uma análise mais aprofundada, o que se percebe é que o “duelo” se passa entre Cândido e a negra fugida, cada qual brigando pelo direito de criar seu filho. Os escravos não eram considerados humanos, àquele tempo eles eram objetos, propriedade, daí a provocação de Machado ao intitular o conto.
Podemos tecer uma análise acerca do direito e da literatura em muitas passagens deste conto, sabemos que o direito é um campo privilegiado para compreensão dos campos sociais, então, a junção dos campos literário e jurídico podem ser bastante úteis nesse processo. A literatura pode ainda servir como campo para incitar uma reforma no direito, servindo de meio para que se instigue a análise e a crítica sobre a forma que ele rege as instituições sociais.
Um dos pontos que merecem destaque é a seguinte passagem: “era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel”. Aqui o autor faz um traço de como a sociedade se organiza, ou seja, dos meios que ela se utiliza para estar em perfeita ordem. Uma sociedade onde o cruel e o grotesco são justificados pela ordem, onde não existiam direitos humanos.
Referindo-se aos negros escravos que fugiam, uma passagem do conto diz que “Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse”. Mais uma vez, percebemos que os negros eram tratados como propriedade, e esta regulada pelo direito, ou seja, faz-se presente a coisificação do ser humano.
O filme brasileiro “Quanto Vale ou É Por Quilo?”, de 2005, faz uma adaptação do conto de Machado, trazendo a tona temas como a miséria e a escravidão. O filme faz uma grande crítica às ONGs e suas capitações de recursos junto ao governo e empresas privadas.
Nele, há uma reflexão sobre as relações estabelecidas na sociedade brasileira, onde sempre houve senhores e dominados, exploradores e explorados. Mostra que hoje a miséria ainda é tratada como forma de lucro, em uma sociedade onde muitos se aproveitam da mesma para lucrar, se auto-promover. Hoje, ao contrário do que acontecia no passado, a exploração da pobreza é feita disfarçada em atos de solidariedade.
Por fim, podemos dizer que a exploração entre as classes ainda continua sendo realidade em nosso mundo, e muitas vezes o direito é a ferramenta para que isso continue acontecendo. Uns lucram, outros sobrevivem.

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